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Entrevista Aparecida de Jesus Ferreira: Abordar sobre raça no Sul do Brasil.

10 de fevereiro de 2020

BARBOSA, Aline Nascimento. ENTREVISTA com APARECIDA DE JESUS FERREIRA. Revista X, v. 14, n. 3, p. 1-15, 2019.

Para escutar a entrevista escute no meu canal no Spotify ou no YouTube

Aline Barbosa: Seus textos falam sobre pessoas negras e suas vivências no contexto de sala de aula, enquanto professoras/es de línguas e também enquanto alunas/os. Tendo em vista que você mora no Sul do país, uma região famosa por estereótipos fortemente ligados a questões de racismo, como é falar de raça no contexto no qual está inserida?

Aparecida de Jesus Ferreira: A região em que eu moro atualmente é Ponta Grossa (já por 10 anos) e a região em que morei anteriormente é Cascavel (por 42 anos). Ambas são regiões cuja população é constituída majoritariamente por eurodescendentes, com cerca de 20 por cento apenas de população afrodescendente. Abordar assuntos relacionados a questões de identidade racial negra é um desafio ainda maior do que no restante do Brasil. Com isso quero dizer que o racismo também ocorre em regiões com uma população majoritariamente negra, como é o caso do Sudeste, do Nordeste e do Norte do Brasil.

As pesquisas demonstram que o tratamento dado à população negra no que se refere ao acesso à escola, à moradia, à assistência médica, a emprego e a cargos de poder não difere significativamente nas diversas regiões do Brasil. Com isso quero dizer que o racismo é endêmico no Brasil, independentemente da região em que nós, negras/os, estejamos. Há, no entanto, uma diferença de percepção. As pessoas da região onde atuei e atuo no momento tendem a pensar que tratar da questão de identidades raciais negras é desnecessário, pois a região é majoritariamente habitada por pessoas brancas. Esse argumento, porém, não se sustenta – não se sustenta na medida em que as pessoas que moram na região convivem com a população que é, de fato, multiétnica e multirracial, o que necessariamente vai gerar diversidade em muitos contextos familiares, nas escolas, nos diversificados ambientes de trabalho e nas interações sociais em geral.

As pessoas mudam de região e também nos novos locais há uma comunidade diversa que precisa ser respeitada, ou seja, tratar da questão da diversidade racial é uma obrigação e uma necessidade para que tenhamos de fato uma sociedade mais justa, com equidade e igualitária. Por exemplo, na região dos Campos Gerais, há várias comunidades quilombolas− quatro em Castro e duas em Ponta Grossa. No Paraná, há 37 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Palmares. São, em verdade, socialmente invisibilizadas, ou seja, não recebem a mesma atenção concedida às comunidades eurodescendentes, como é o caso, por exemplo, do Parque Histórico de Carambeí – de colonização holandesa. Essas comunidades mencionadas são parte do patrimônio cultural brasileiro (afrodescendentes e eurodescendentes) e estão na mesma região, no entanto, com estereótipos diferenciados. Os estereótipos relativos à população eurodescendente fortalecem a sua identidade racial branca, enquanto os estereótipos relativos à população afrodescendente descaracterizam, fragilizam e desconstroem a autoestima da identidade racial negra.

Abordar a questão da identidade racial negra nesse contexto e sobre ele exige persistência e, pensando do local em que atuo, há necessidade de formação crítica de professoras/es e de alunas/os. Essa formação crítica é indispensável para que seja possível tratar do racismo e das várias identidades raciais e, assim, pensar na “construção” de uma sociedade que esteja disposta à integração de todas as raças de forma igualitária, com equidade e humanidade. E para que isso seja possível precisamos ver na região mais médicas/os negras/os, mais professoras/es negras/os, arquitetas/os, engenheiras/os, e que os cargos e as posições de poder sejam também distribuídos para todos os segmentos sociais e raciais com equidade, para que as pessoas de todos pertencimentos etnicorraciais se possam ver representadas.